Economista apresenta números que confirmam o racismo estrutural no Brasil
Vivian Machado mostra marginalização sofrida por negros e negras no mercado de trabalho e elevação de violência contra afrodescendentes
São Paulo – A mestre em Economia Política pela PUC-SP e técnica da subseção do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) na Contraf-CUT, Viviam Machado, apresentou dados que confirmam o racismo no mercado de trabalho brasileiro e a desigualdade de cor e raça, que teve por mais de 300 anos o trabalho escravo como um dos pilares do desenvolvimento econômico do país. Estudo sobre esse preconceito enraizado na sociedade brasileira foi mostrado no painel sobre “A participação dos negros e negras no mercado de trabalho e na sociedade e a violência racial no Brasil”, dentro do VII Fórum pela Visibilidade Negra no Ramo Financeiro, realizado ontem (10), em Porto Alegre.
A técnica do Dieese disse que “em relação ao mercado de trabalho, a população negra é maioria nos trabalhos desprotegidos, 36% maior do que na população não-negra”. “A maioria do país é negra, 56,1%, segundo dados da Pinad contínua [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua] do IBGE, com maior participação nos estados do Norte e Nordeste e menor participação na Região Sul. O Amapá, por exemplo, tem 82,1% e Pará 81,1% de negros e negras. Em Santa Catarina e Rio Grande possuem pouco mais de 22% de afrodescendentes”, explicou.
Em relação ao rendimento salarial, o abismo social entre as raças é ainda maior. O rendimento médio da mulher negra é 116% menor do que em relação aos homens não negros”, relatou. A população negra apresenta ainda maior número de desocupação, menor acesso à Previdência Social e maior dependência do salário mínimo.
Mercado formal e informal
A economista disse ainda que trabalhadores negros são maioria no mercado informal, desprotegidos portanto de direitos trabalhistas e previdenciários.
“As negras sofrem ainda a discriminação por gênero e raça: dados de 2021 mostram que 32,2% dos negros estão no mercado formal e apenas 12,4% das mulheres negras têm carteira assinada”, acrescentou, lembrando que o país tinha em 2021 cerca de 15,7 milhões de trabalhadores negros no mercado formal e seis milhões de negras cobertas pela legislação trabalhista.
Viviam informou que o IBGE vai apresentar números atualizados da presença negra no mercado de trabalho no próximo dia 20 de novembro, mas antecipou alguns dados do estudo.
“Este dado é do segundo trimestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2022. No ano passado, os negros representavam no período 54% dos ocupados e os não-negros 46%. Em 2023 os negros representam 55% dos ocupados e os não-negros, 45%. E as mulheres negras representam 41,5% dos ocupados e os homens negros, 58,5%. Nos não-negros, as mulheres representam 48,8% do mercado formal e os homens 55,2%”, explicou, mostrando que entre brancos a diferença na presença do mercado formal é menor em relação aos gêneros.
Trabalhadores desprotegidos
Apesar de serem maioria entre os ocupados, Vivian disse que negros e negras são maioria entre os trabalhos desprotegidos (trabalho sem carteira assinada, por conta própria ou que não estão cobertos pelos direitos previdenciários): nesta situação, 46,1% são negros e 34,2% não-negros.
“Já 46,5% das mulheres negras estão desprotegidas, enquanto as brancas apresentam um percentual 34,6%. As mulheres negras são as mais penalizadas no mercado de trabalho e essa desigualdade se reflete muito também na categoria bancária”, ressaltou.
Desocupados por raça e gênero
Entre os desocupados, o levantamento mostra que em 2023 houve uma redução de mulheres negras, que caiu 2,2%.
“Entre os homens negros a queda foi 1,4% e não negros de 1%”, acrescentou, lembrando que, apesar da ligeira melhora, as negras ainda apresentam o maior índice entre os desocupados: 11,7% em 2023, homem negro 7,8%, mulheres não negras 7% e homens não negros 5,7%”, declarou.
Juros altos e desemprego
Um dado apresentado, destaca a palestrante, que deveria pautar as decisões do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o Copom (Conselho de Política Monetária) em relação aos juros altos no Brasil é um estudo da USP (Universidade de São Paulo) mostrando que para cada dígito de alta da Selic, a taxa básica de juros – que faz elevar o desemprego – tem entre os mais afetados os homens negros.
As mulheres, sejam brancas ou negras, proporcionalmente são as que mais perdem seus empregos com a alta dos juros porque elas estão mais presentes na área de educação, nos cuidados de residências e pessoas e nos serviços públicos, enquanto os homens estão mais em setores privados e financeiros.
Violência
A grande maioria das mortes violentas no país, em 2021, vitimaram a população negra: 72% destes homicídios (408.605 assassinatos). Outro dado estarrecedor apresentado pela palestrante é que 84,1% dos homicídios causados por operações policiais foram de negros, muitas crianças. E 67,7% dos policiais assassinados em combate também era de negros.
Os feminicídios cresceram 6,1%, número bem superior de forma percentual aos homicídios. As mulheres negras também são as maiores vítimas dos estupros, representando 52,2% do número inteiro. Do total de feminicídios, as negras representam 62%, além de serem 70,7% das demais mortes violentas no Brasil. Elas também são as que mais sofrem assédio: mais de 43% enquanto que 30% das brancas foram assediadas no período.
Cresceu também o percentual da população negra encarcerada, 68,2% negros e 95% do sexo masculino.
Números na categoria bancária
Este ano, segundo o levantamento do IBGE, a discriminação racial no mercado de trabalho também é uma forte e triste realidade. Viviam disse que em 2021, o estudo apontou que existem pouco mais de 442 mil bancários e bancárias e deste universo, 110 mil se declararam negros ou negras (25%), sendo que a maioria deste universo se declarou pardos. Mulheres negras somam 50,2 mil, ou seja, apenas 11,4% da categoria.
Como no mercado de trabalho geral, entre as regiões brasileiras, a maior presença de negros e negras está no Norte (58,8%) e Nordeste (41,5%), seguindo, respectivamente, o Centro-Oeste (31,9%), Sudeste (20,9%) e Sul (7,4%). O Pará apresenta 62% de bancários e bancárias negros e o menor percentual pé do Rio Grande do Sul (5,2%.).
Faixa etária
Surpreendeu os dados sobre a faixa etária, com os mais jovens até 29 anos representando apenas 17,8% do total da categoria. Neste universo, a maior faixa etária com a concentração dos afrodescendentes é de 18 a 24 anos.
“A maior presença negra entre jovens reflete a luta do movimento sindical contra o racismo, mas como podemos ver, é preciso avançar muito mais”, destaca Vivian.
Renda média
Em relação à renda média, a economista mostrou que as mais altas são dos bancários que se identificam como pertencentes das raças amarela (R$ 13.427,81) e branca (R$ 11.831,80). Já as menores rendas são da população negra: R$ 8.838,97 (pretos) e R$ 9.516,02 (pardos).
“A maior diferença salarial no setor financeiro está entre mulheres pretas, que ganham em média 46,6% menos do que os bancários brancos do sexo masculino”, afirmou a economista.
Ascensão profissional
Em relação aos cargos de lideranças ocupados, a diferença por raça é ainda mais impressionante. Estas funções são ocupadas por apenas 20,3% de pretos e pardos e 75,% dessas chefias são brancos.
“As mulheres negras ocupavam em 2021 apenas 8,8% destes cargos de liderança nos bancos”, concluiu.
Com informações do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro
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