A consciência ESG como um método de sustentabilidade para o futuro dos negócios – Por: Ernesto Haberkorn: Co-fundador TOTVS, Mais de 50 anos de experiência no mercado de tecnologia, é empresário, fundador SIGA,fundador do ERPFlex, Grupo NETAS, autor de 14 livros sobre Gestão Empresarial com ERP
Em 2004, em um evento das Nações Unidas, “vinte grandes empresas financeiras se comprometeram a começar a integrar questões sociais, ambientais e de governança na análise de investimentos e na tomada de decisões” [1] (traduzido). Segundo John Hill [2], foi a partir do relatório final desse evento que surgiu o termo “environmental, social and governance (ESG) investing” (investimento ambiental, social e de governança).
Preste atenção na palavra “investimento”. Um dos resultados desse evento foi o reconhecimento por grandes empresas de que preservar o meio-ambiente, promover ações de inclusão social e manter processos de governança corporativa eram investimentos.
Uma empresa vende produtos ou presta serviços com o objetivo de auferir lucro, manter os seus sócios ou acionistas e crescer. Investimento em publicidade e melhoria do produto ou serviço parece ser algo claro, conectado diretamente ao negócio. Mas e o meio-ambiente? O que uma empresa tem a ver com isso? Não seria responsabilidade do Estado cuidar desse assunto? Não é uma questão de ordem pública?
A palavra “responsabilidade” é a chave para compreender a mudança nos investimentos de empresas nas últimas décadas. Não basta mais hoje a uma empresa ter um produto com boa apresentação e atender bem aos seus clientes. Há uma cobrança por responsabilidade. Na verdade, há uma crescente consciência de que todos são responsáveis pela manutenção do meio-ambiente, pela busca da redução da desigualdade social e por ter processos de governança que mantenham a si próprios.
Não estamos mais na Primeira Revolução Industrial, quando não havia qualquer preocupação de empresas com a degradação do meio-ambiente. A Londres do final do século XIX é lembrada como uma cidade poluída, com trabalhadores vivendo em condições degradáveis e onde as empresas competiam entre si pela lei do mais forte. Estamos hoje vivenciando as consequências das interferências perversas do ser humano no meio-ambiente.
Ao contrário dos outros animais, o ser humano trapaceou com o uso da técnica e conseguiu superar as limitações do meio-ambiente. Conseguiu se reproduzir mais do que seria possível sem toda a tecnologia disponível e assim expandiu o consumo de recursos naturais de forma exponencial. Ocorre que não temos um outro planeta para ir se os recursos deste se esgotarem. E estamos esgotando de forma perigosa os recursos que temos, como a água potável.
A sociedade tecnológica do século XXI vive grandes contradições, como prédios inteligentes situados a beira de rios poluídos. Além disso, é uma sociedade tecnológica que depende da expansão da venda de produtos e serviços e ao mesmo tempo promove a exclusão social, aumentando a distância entre pobres e ricos.
O fim do socialismo real na União Soviética aparentemente havia assinalado o triunfo do capitalismo e uma era onde liberalismo econômico promoveria oportunidades pela livre competição e pela meritocracia. A prosperidade seria alcançada pelo esforço individual de cada um. Mas isso se mostrou uma falácia, porque a desigualdade não pode ser vencida facilmente. Entre as favelas do Rio de Janeiro e as palafitas de Lagos na Nigéria há ilhas de riqueza além de um oceano de águas. Não é crime enriquecer, prosperar. Mas é indecente usufruir da riqueza e não fazer nada para reduzir a pobreza.
As empresas tem responsabilidade pelo meio ambiente porque elas estão neste planeta e dependem do meio ambiente. Um pensamento retrógrado vê preservação ambiental como atraso. Esse pensamento acha que desenvolvimento implica “tirar o mato que atrapalha”. Ocorre que o “mato” é parte de um ecossistema que garante a vida das pessoas que trabalham e das que dirigem empresas. Degradar deliberadamente o meio-ambiente ou não fazer nada a respeito para a recuperação do que já está degradado é como cometer um suicídio lento. As empresas devem pensar que não poderão vender nada se não houver um planeta habitável. Todos devem ver os recursos naturais como o queijo encontrado pela dupla de ratos no livro “Quem comeu o meu queijo?”. O queijo não vai durar para sempre se você só comê-lo. O ser humano aprendeu a tomar muito da natureza, mas precisa urgentemente praticar a devolução.
Hoje vivemos em uma realidade em que grandes empresas estão distribuídas: a produção pode estar em um país, a direção em outro país e os investimentos em um terceiro país. Isso implica empresas que utilizam recursos de um local sem promover o desenvolvimento econômico além de oferecer empregos e pagar impostos. Sem um compromisso social, uma empresa pode fechar uma planta produtiva em um local e iniciar um declínio econômico em uma cidade. Por isso é importante a existência de empreendimentos conectados com a região onde estão sediados. É necessário um desenvolvimento regional, que tenha compromissos sociais além das motivações financeiras. Esse é um desafio para o Brasil, que afeta o investimento ESG.
Carecemos de uma reforma tributária no Brasil e uma simplificação da legislação que facilite a abertura de empresas e o cumprimento de seus deveres. A complexa legislação tributária do Brasil cria o fenômeno do “custo de pagar o imposto”. Além de pagar os tributos, empresas gastam pelo processo de calcular, recolher e declarar os tributos. Departamentos jurídicos e contábeis poderiam ser reduzidos se a legislação tributária do Brasil fosse mais simples.
Mas, apesar disso, toda empresa tem que pensar no futuro. Tem de pensar em se manter e em crescer. Para isso, ela precisa que seus colaboradores e clientes também cresçam. Precisa que eles se desenvolvam e prosperem. As empresas não podem esperar que a prosperidade ocorra por acaso. Ela deve ajudar na prosperidade de seu entorno para garantir a sua própria prosperidade.
A própria gestão da empresa não deve se dar ao acaso. A empresa deve ter governança. Deve ter processos bem definidos e um processo específico para melhorar continuamente os processos existentes.
O investimento ESG hoje não é somente sobre promover sustentabilidade do meio ambiente e do entorno social. Como assinala a última letra da sigla, ela também é sobre promover a sustentabilidade da própria empresa.
Referências
[1] United Nations Headquarters. The Global Compact Leaders Summit: Final Report. 24 jun. 2004. http://www.unglobalcompact.org/docs/news_events/8.1/summit_rep_fin.pdf
[2] HILL, John. Environmental, Social, and Governance (ESG) Investing: A Balanced Analysis of the Theory and Practice of a Sustainable Portfolio. Londres; San Diego; Cambridge, Oxford: Academic Press, 2020.
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