Para repensar os impactos que vêm da China na economia, consumo e no varejo – Por: Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
“O que acontece na China definitivamente não fica na China. E isso é razão para que se busque conexão mais próxima e constante com esse país que já é a maior economia do mundo no critério PPP – Paridade de Poder de Compra –, está pisando firme no acelerador do consumo interno e avançando para levar suas práticas e conceitos a outros países e regiões. Em especial para quem atua nos setores de Varejo, Consumo, Tecnologia, Digital, Inteligência Artificial, para não falar no Agro e nos diversos setores industriais e de serviços. Mas sem esquecer questões políticas e institucionais e seus impactos positivos e negativos em outras realidades.”
Uma das estratégias globais importantes e recentes da China é a New Silk Road Initiative, programa lançado em 2013, completando dez anos agora, para ampliar o seu poder de influência especialmente em economias emergentes. A finalidade dele seria assegurar mercado para seus produtos e conceitos, ao mesmo tempo em que ampliaria seu protagonismo político nas relações bilaterais com esses países. Os investimentos e empréstimos da China à Argentina são um bom exemplo disso.
Esse movimento se tornou ainda mais importante à medida que o bloqueio tecnológico e comercial norte-americano sobre a China cresceu de importância e envolveu também países mais alinhados econômica e politicamente aos Estados Unidos.
Esse projeto tinha orçamento anunciado de US$ 900 bilhões e era nominado como China’s Belt and Road Initiative (BRI), mas também ficou conhecido como New Silk Road com a ambiciosa visão de ser um instrumento estratégico para expansão e crescimento de exportações com integração logística, alianças de negócios e reposicionamento das relações diplomáticas.
Passada uma década, um balanço simplista mostra que os investimentos foram “overestimados”, assim como os resultados esperados, enquanto os problemas a serem enfrentados foram subestimados.
Tudo isso determina que o programa seja ajustado e já se discuta a Belt and Road Initiative 2.0, com objetivos similares, porém considerando de forma distinta as dívidas não pagas pelos países e empresas e o que foi gerado de corrupção no processo que comprometeu os objetivos e investimentos iniciais.
Na visão mais atual, haverá redução nos investimentos com taxas de juros zeradas pelo Ministério da Economia da China e mais direcionamento por meio de instituições financeiras multilaterais.
Nessa nova versão, é possível que África e América Latina tenham uma redução de foco por conta dos riscos de crédito nos negócios e países dessas regiões, mas é estimado que esse novo ciclo gere recursos adicionais totais da ordem de US$ 100 bilhões. Bem mais realista do que o que foi antes anunciado.
Nesse novo momento, dois elementos devem crescer de importância na alocação de investimentos e envolvem os temas digitais e de sustentabilidade.
Esses fatores estão em linha com o que pudemos observar sendo aplicados na própria China, na expansão do consumo e do mercado interno ao privilegiar Educação, Tecnologia e Digital como fatores críticos na continuidade de seu reposicionamento estratégico e no estímulo ao aumento das exportações. E com uma menor ênfase no setor imobiliário e de construção, algo que caracterizou os períodos anteriores.
Da forma como se possa enxergar e entender a realidade em transformação na China, é importante considerar seus impactos em outras economias, e, no caso do Brasil, pelo fato de aquele ser o maior e mais importante parceiro do País no comércio bilateral.
Mas também porque os esforços de ampliação das exportações e negócios bilaterais envolvendo consumo trazem e trarão ainda mais conexões e é razoável prever seus impactos nos mais diversos setores, do automobilístico à moda, dos alimentos ao material de construção e acabamento, dos eletrônicos aos calçados, sem falar na tecnologia, no digital, no cross border e outros mais.
Bem-vindos ao admirável mundo novo. De novo.
Lições do Cotidiano
Era um final de um longo dia em Shanghai e que terminava em um jantar com o grupo do BTG que esteve conosco nesta viagem. Como não podia faltar um pouco de conteúdo, às vésperas do Singles’ Day contávamos com uma apresentação de ex-executivo sênior do Alibaba compartilhando tudo que envolvia os preparativos da empresa para fazer dessa data o maior faturamento em datas promocionais do mundo. Isso num restaurante ao lado do Bund, com sua vista espetacular e única.
Depois do jantar e de mais um longo dia “multifuso” – sintonizado nos horários e atividades locais e ao mesmo tempo também por aqui no Brasil -, uma caminhada ao longo do Bund para relaxar e “resetar” ideias e aprendizados.
Uma hora depois, a busca do táxi e uma complexa negociação “multidiomas” (mandarim, inglês e outras tentativas mais) para a corrida de volta ao hotel que começou em 100 yuans e ficou por 30. Deve haver um programa global de franquias para taxistas tentarem explorar estrangeiros.
Mas, no trajeto de retorno, terminada a difícil negociação, o clima mudou por iniciativa do próprio taxista. Usando o tradutor de seu celular, de forma quase inconsequente enquanto dirigia, quis saber sobre nosso país de origem, hábitos, família e também contava sobre sua própria realidade e expectativas.
Foram 40 minutos de aproximação multicultural digital que mostraram de forma direta e básica a crescente integração do país no mundo mais global, diferente do isolacionismo do passado, trocando informações e se conectando, quebrando barreiras e se aproximando em termos pessoais. O que até sensibilizou e justificou o acréscimo pago de 10 yuans como gorjeta.
Vivendo e aprendendo.
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