E se as empresas contratassem apenas pessoas não qualificadas para o seu time? – Por : Paulo Camargo – CRO da iTalents, mestre pela Escola de Negócios Leuphana, fellow em inovação da Academia Real de Engenharia do Reino Unido e alumni do governo alemão para a sustentabilidade. Empreendedor serial, Camargo é professor e consultor nas áreas de inovação, empreendedorismo e modelagem de negócios. É autor do livro “Síntese de divergentes – aprendizagem inspirada em propósito” e empreendedor destaque na última edição da revista francesa Entrepreneurial Mindset Network.
Uma estratégia comum no universo do futebol é o investimento na categoria de base, ou seja, nos atletas mais jovens e menos experientes. Segundo um estudo da consultoria Convocados, valores destinados à base aumentaram de R$ 194 milhões, em 2020, para R$ 304 milhões, em 2021. Para além de motivações operacionais de venda de jogador, esse movimento acontece muito por um motivo: financiar o treinamento de atletas mais jovens é um investimento a longo prazo. E no universo empresarial isso não é diferente.
Não importa de qual setor seja a empresa, certamente os melhores talentos já estão contratados e não estão à disposição. Se eles são bons, produzem bem e entregam, eles já estão empregados. É pouco estratégico, insustentável e muito caro focar na contratação dos melhores talentos do mercado visando apenas entregas a curto prazo. Em vez de assumir essa guerra, por que não se tornar um celeiro de talentos?
Assim como no futebol, entender que a empresa é um ambiente de treinamento para os seus colaboradores representa uma visão de negócio a longo prazo, pronta para se adaptar a uma realidade futura. Em contraposição, uma empresa que não investe nos talentos disponíveis perde os melhores profissionais e está sempre um passo atrás, pois mesmo que consiga encontrar alguém em destaque no mercado, ainda demandará adaptações dentro de uma nova empresa.
Planeje a estratégia, viva a cultura
Tão importante quanto criar uma estratégia de Treinamento e Desenvolvimento (T&D) é estimular uma cultura interna de aprendizagem, de mentalidade de crescimento. É muito importante que todo colaborador saiba como a empresa opera e prospera: encarando desafios, testando hipóteses, investindo nas pessoas e desenvolvendo soluções inovadoras.
Diante desse cenário, é imprescindível o alinhamento preliminar de propósitos e valores entre os CPFs (pessoas) e o CNPJ (organização): quais objetivos a empresa define para o seu futuro? Como ela desenvolve melhor cada membro de sua equipe para que cada um exerça sua função de forma que todos lutem juntos rumo aos resultados planejados?
Tal nível de alinhamento parece óbvio, mas são inúmeras as soluções de T&D no mercado que tendem a ir no caminho contrário: a falta de coerência entre o planejamento corporativo e os planos de desenvolvimento individual (PDI) feitos pela área de recursos humanos torna os treinamentos meros benefícios opcionais ao colaborador. Mesmo sem tempo dedicado e um plano de desenvolvimento alinhado com a liderança, ele então recebe acesso a uma plataforma online com vasta biblioteca de cursos e conteúdos para estudar o quê, como, quando e onde quiser. Seria isso realmente estratégico?
Meu conselho é: no que tange atração, treinamento e retenção de talentos, capriche sempre. O investimento se paga.
Já no onboarding de um novo colaborador, que tal começar fazendo uma devolutiva da avaliação dele ao longo do processo de recrutamento?
Que tal apresentar a estratégia de negócios e o roadmap tecnológico da empresa, correlacionando-os com o mapeamento de competências dele, de sua equipe e da empresa como um todo?
E se ele já iniciar sua carreira na empresa conhecendo os caminhos que pode trilhar, como pode fazer para chegar lá, e combinando um plano de desenvolvimento individual e de entrega de resultados?
Essas são todas boas práticas conhecidas na gestão de talentos, bastante difundidas na teoria, mas ainda pouco utilizadas na prática.
O que é apaixonante sobre treinamento e desenvolvimento corporativos é entender que, além da oferta de treinamento, as pessoas aprendem com o meio, umas com as outras, nas experiências reais e práticas do cotidiano. Lev Vygosky, o famoso psicólogo bielorusso, nos ensina que, para aprender e se autodesenvolver, o ser humano precisa interagir com outros membros, com o ambiente e também vivenciando a cultura.
Portanto, assuma que todo mundo, em algum momento, precisa ser treinado, em maior ou menor grau. Pode ser para adquirir uma nova microcompetência, como uma nova técnica de feedback ou de negociação, ou atualizar uma habilidade específica, como a versão de Python. Fato é que, temos todos sempre algo a aprender ou aprimorar.
E o agora?
Mas se investir em Treinamento e Desenvolvimento está ligado a questões de longo prazo e foco no futuro, como lidar com os problemas e com as demandas que a empresa está enfrentando hoje? É preciso equilibrar as ações do ponto de vista estratégico, com iniciativas da perspectiva tática operacional a curto prazo.
Como antes dito, é inviável e, portanto, não recomendável que uma empresa foque apenas em contratar talentos prontos no mercado. Mas contratar profissionais específicos, quando surge um desafio ou oportunidade imperdível, já é outra história. Saber trabalhar com “Staff on Demand”, expressão em inglês que significa “equipe sob demanda”, é um dos atributos que definem as empresas ágeis e escaláveis, que têm potencial de se adaptar rapidamente ao contexto dinâmico de mercado e que, ao mesmo tempo, consegue surfar as melhores tendências tecnológicas e principais ondas de desenvolvimento econômico.
Muitas vezes não dá tempo de treinar um colaborador já contratado para atender uma demanda de entrega urgente, mas desistir de oferecer o serviço é entregar o cliente ao concorrente. Nesse cenário, a expansão horizontal de equipes pode ser a alternativa ideal, já que é uma forma de poder olhar para novos mercados com a oportunidade de ser e se manter competitivo tecnicamente, além de ter um grupo de talentos que está sempre atualizado.
Essa movimentação lateral de times oferece à equipe a oportunidade de crescer, diminuir e se adaptar de acordo com as circunstâncias, além da capacidade de se reestruturar rapidamente. É uma forma de ter acesso àqueles melhores talentos e expertises necessárias, além de aumentar a diversidade, a capacidade de olhar diferente e levar ao time diversas perspectivas sobre um novo problema.
Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego
A famosa frase do psicólogo americano Abraham Maslow dita uma regra: o rumo certo é entender que não é necessário treinar todo mundo nas mesmas habilidades. Acolha a diversidade e componha equipes explorando a individualidade. Arranjos de equipe devem ser flexíveis, pois, para quem só domina uma habilidade ou uma competência, tudo se resolve da mesma forma. É necessário ampliar repertório, no nível individual e coletivo. Num mercado de trabalho cada mais incerto, onde os problemas são mais complexos e sistêmicos, soluções inovadoras surgem quando uma pessoa, um time ou uma empresa adquirem e ativam um novo conjunto de competências.
Assim como no futebol, toda organização é um time e joga em grupo, com cada um na sua posição. Se inverter os papéis, os jogadores terão grandes dificuldades de desenvolver sua atividade da melhor forma, pois cada um tem sua missão, e o papel do líder nesse ambiente é dirigir muito bem essas equipes e saber arranjá-las em suas potencialidades.
Se pararmos para pensar, uma organização também funciona dessa forma: as pessoas são contratadas para fazer o que fazem de melhor e adquirem uma função em razão das suas competências e capacidade de realização. No fim, todos estão trabalhando em prol de um mesmo objetivo: vencer o jogo.
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