Amigos, amigos, negócios à parte?
Uma a cada três empresas são formadas por amigos que decidem empreender. Advogados especialistas em Direito Empresarial trazem dicas e orientações que podem salvar, não só uma empresa, mas uma longa e feliz amizade
Segundo dados de uma pesquisa direcionada ao empreendedorismo, realizada pela consultoria MindMiners, uma a cada três empresas no Brasil são formadas por sócios que se consideram amigos, o que representa 29% das sociedades empresárias no País. Mas quem não conhece ou já ouviu falar de amizades que se desfizeram junto com uma sociedade que parecia promissora?
O advogado Fabrício Cândido, especializado em direito empresarial e um dos sócios do escritório Celso Cândido de Souza Advogados, compara o início de uma relação societária a um namoro. No começo tudo são flores. Não há desconfianças. Mas à medida que a relação vai avançando, as situações adversas começam a surgir. “O segredo é não deixar os problemas crescerem”, diz.
E uma coisa é certa: os conflitos inevitavelmente irão surgir, é só uma questão de tempo porque a sociedade é, antes de tudo, uma relação entre pessoas. Por isso, segundo Fabrício, o início da sociedade é o momento crucial para estabelecer regras, para que tanto o negócio quanto a amizade sejam longevos.
“O ideal é prever os pontos de possíveis conflitos e já estabelecer critérios para resolvê-los”, orienta ele, que junto com a advogada Nara Lidia Turra, trazem dicas para que os sócios não coloquem em risco os amigos nem os negócios.
Redija o acordo entre sócios
Obrigatório por lei, o Contrato Social é a certidão de nascimento de uma empresa, um documento onde constam informações públicas da pessoa jurídica, entre elas as cotas de cada sócio.
Normalmente, os empreendedores se limitam apenas a ele como documento formal da sociedade, mas o ideal é ir além dele para definir melhor as obrigações e direitos de cada sócio. Trata-se do acordo entre sócios, uma das principais formas de prevenir problemas futuros.
“Assim como no relacionamento pessoal, diálogo e boa comunicação são fundamentais para o sucesso das relações, mas o acordo de sócios é uma ferramenta que pode ajudar muito a blindar tanto a amizade quanto o negócio dos conflitos”, define Fabrício Cândido.
Nesse documento, pode-se definir a divisão de tarefas, a responsabilidade de cada sócio, como será feito o pagamento de pró-labore, como proceder em caso de ausência do sócio por motivos de doença, férias etc. “Quanto mais situações prevenir, menos pontos de conflito haverá”, complementa a advogada Nara Lidia Turra.
Diferentemente do Contrato Social, o acordo entre sócios é privativo aos sócios, portanto, não precisa ser registrado na Junta Comercial, a não ser que contenha alguma cláusula que envolva terceiros fora da relação societária.
Aprenda que o pró-labore é diferente de lucro Fabrício Cândido explica que muitos empreendedores, no início de sua jornada, confundem essas duas receitas, o que pode gerar problemas de gestão financeira e também desentendimentos.
O lucro da empresa são os resultados financeiros positivos, a qual é repartida entre os sócios, conforme suas cotas estabelecidas no contrato social.Já o pró-labore é uma remuneração mensal destinada ao sócio-administrador de uma empresa, aquele responsável pelas demandas administrativas do dia a dia da empresa, como a organização financeira, contratação de funcionário e a prospecção de novos clientes.Importante destacar que a regra geral é que apenas o sócio-administrador receba o pró-labore. “Ou seja: nem todos os sócios têm direito a recebê-lo no final de cada mês, mesmo trabalhando no negócio”, explica Fabrício.O advogado explica que esse já pode ser um ponto de desentendimento entre os sócios e, nessa hora, o acordo entre os sócios pode definir qual será a conduta dentro da empresa. “Os sócios têm liberdade de mudar essa prática por meio do documento”, completa.
Defina áreas de atuação para cada sócio Quando a tomada de decisão de um setor está sob o comando de vários sócios, ao mesmo tempo, a expressão “é muito cacique para pouco índio” se encaixa como uma luva. Nem sempre as decisões são unânimes e, em decorrência, podem acontecer os desentendimentos, especialmente se uma medida tomada for mal sucedida. Por isso, definir a área de atuação para cada sócio pode não apenas otimizar a gestão da empresa como também eliminar o foco de conflitos.
Fabrício Cândido usa um exemplo para ilustrar: “em uma construtora, por exemplo, em que dois sócios são engenheiros, um pode administrar as obras e o outro se dedicar à parte mercadológica e comercial. Cada um se responsabiliza por sua parte, corre atrás das metas e responde pelos problemas que surgirem em sua área”, exemplifica.
Essa divisão, continua o advogado, além de ser mais produtiva porque cada um se dedica a uma frente do negócio, também deixa definida a responsabilidade de cada um em caso de demandas judiciais ou prejuízos.Como serão as férias e licenças de cada sócio Apesar dos direitos trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) serem uma referência para o brasileiro, elas não valem para os sócios de uma empresa. Por isso, é importante que os empreendedores definam entre si e registrem no acordo entre sócios como serão tratadas as ausências do negócio, seja por motivo de doença, necessidade de descanso e assim por diante. “Já fizemos acordo entre sócios que previu como seria a remuneração e divisão de lucros até mesmo em caso de um dos cotistas tirarem um ano sabático”, comenta Fabrício Cândido, ao salientar que é positivo fazer essas previsões porque a lógica de trabalho em uma sociedade é diferente da lógica de trabalho de quem é empregado.
Eleja um mediador
E se os amigos não fizeram um acordo entre sócios já na abertura de negócios, o que fazer quando surgir o conflito? Nessa hora, recomenda Nara Lidai Turra, é que se busque um mediador neutro, sem vínculo entre as partes. “Isso porque, nesse momento, cada um só enxerga sua parte. Uma pessoa que não está emocionalmente envolvida com o problema vai ajudar mais do que tentar resolvê-lo por si só”, diz.
Mesmo com a adesão ao acordo entre sócios, é recomendável que o documento também tenha um mediador eleito entre o grupo para ajudar na resolução de situações conflituosas não previstas. É recomendável que o mediador seja um advogado, para que as soluções estejam dentro das normativas vigentes e, assim, se evite questionamentos futuros.
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