Os bastidores dos divórcios corporativos – Por, Patrícia Barroso é conselheira certificada pelo IBGC e diretora na Bradha, gestão estratégica e de pessoas.

Os bastidores dos divórcios corporativos – Por, Patrícia Barroso é conselheira certificada pelo IBGC e diretora na Bradha, gestão estratégica e de pessoas.

A produção de séries e filmes nos coloca frente a realidade dos fatores que motivam o divórcio na vida conjugal. Seja na comédia, no romance ou no drama, independente do gênero, a abordagem busca referência nas dificuldades do relacionamento a dois. Nas telas os enredos exibem casos de infidelidade, discussões por diferenças culturais e de classes sociais e até mesmo a interferência das famílias no relacionamento a dois.

No ambiente empresarial, o divórcio é também uma situação que envolve questões de relações interpessoais. Mais conhecido como cisão, etimologicamente deriva do latim “scissio,onis“, com o sentido de rompimento”,  a palavra cisão é considerada uma operação societária. Segundo o Art. 229 da Lei 6.404/1976, cisão  é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida.

Mas aqui o nosso objetivo é discorrer sobre fatores que motivam as operações de cisão em empresas de capital fechado, familiares ou não. Como profissional atuante em empresas de gestão familiar, vale a pena a discussão incluindo também demais organizações de capital fechado conceituadas como não familiares. Nesse sentido, as operações de cisão são temas abordados na literatura das dissertações de mestrado e teses de doutorado a partir de vários vieses. Aqui, neste artigo, o meu recorte pretende abordar os detalhes subjetivos que muitas vezes aparecerem listados nos famosos e não publicados capítulos dos pequenos detalhes.

Em muitos momentos presencio discordâncias societárias que podem ser classificadas a nível estratégico. Podemos elencar aqui as diferenças de visão de futuro, o perfil de risco dos sócios, o momento de vida pessoal, a capacidade de investimento e reinvestimento, a necessidade de retirada de lucros entre muitos outros fatores que inviabilizam a continuidade da sociedade. As motivações estratégicas são normalmente mais perceptíveis e, portanto, mais fáceis de serem analisadas e levadas a discussão com foco no entendimento da insustentabilidade do formato societário.

Mesmo que essas diferenças acompanhem a constituição inicial do negócio juntamente com o conjunto de crenças e valores dos sócios, no início elas são ignoradas parcial ou mesmo totalmente. Esse é um dos motivos pelos quais as melhores práticas de gestão empresarial recomendam a título de suporte à abertura de novos negócios a utilização de ferramentas básicas como, por exemplo, os estudos de viabilidades e os bons e velhos modelos de negócios.

As instituições que fomentam o empreendedorismo indicam ainda, os estudos de perfis comportamentais como prática de análise do comportamento de cada sócio a fim de minimizar os riscos de desalinhamento dos sócios. É bastante provável que, como nos relacionamentos das pessoas físicas, se essas práticas fossem adotadas à rigor, muitas sociedades teriam sequer saído do campo das ideias.

Os casamentos das pessoas jurídicas são complexos, envolvem todos os aspectos da gestão de negócios para além das questões societárias. Muitas empresas de capital fechado não se enquadram no conceito de empresa de gestão familiar, que na minha definição são aquelas que investem parte ou total do capital da família no negócio que é gerido por membros da própria família. A proximidade dos eixos família, negócio e sociedade muito bem trabalhada pelo escritor John Davis na tríade dos três círculos, não é exclusividade da empresa familiar.

Na minha experiência, muitas empresas de capital fechado, conceituadas na teoria como não familiares, apresentam relações interpessoais muito próximas a de uma família na gestão do negócio. Nesses casos os complicadores podem ser potencializados dada a realidade multidimensional dos interesses envolvidos. Nessa perspectiva o divórcio empresarial pode apresentar bastidores de particularidades táticas a operacionais. Sem contar que questões de ego e de poder podem atuar como pano de fundo dos fatores que motivam as operações de cisão em empresas brasileiras de vários portes e segmentos.

A alusão ao termo bastidores busca subsídios na proposta de que é nos detalhes não ou pouco revelados nas pesquisas previamente estruturadas que as empresas desfazem as suas relações societárias. A analogia ao termo divórcio compara diretamente as relações de sócios aos sabores e dissabores dos relacionamentos pessoais e enfatiza, portanto, a relevância do monitoramento constante da satisfação dos fundadores, sócios e/ou investidores em relação a questões subjetivas consideradas na rotina dos casamentos empresariais como irrelevantes.

Nesta perspectiva, fica aqui a minha reflexão: estamos nós, atores de governança corporativa preparados para auxiliar as sociedades nos processos de avaliação da percepção dos detalhes subjetivos que dia após dia, ano após anos contribuem para a famosa gota d’agua que emolduram os bastidores dos divórcios corporativos?

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