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Em quais circunstâncias um menor de idade pode trabalhar?

Nos últimos meses, em meio às diversas polêmicas que as redes sociais e seus desdobramentos proporcionam, um assunto importante não passou batido e gerou uma onda de discussões: o trabalho infantil.

Embora profissionais de saúde constantemente levantem as sequelas físicas e psicológicas que o trabalho infantil pode provocar a quem é submetido a ele, o tema também é composto por uma perigosa romantização por parte de quem defende que, cada vez mais cedo, as crianças não só podem como devem exercer alguma atividade profissional. É notável que a temática ainda é carregada de desinformação, o que justifica o questionamento: quando que, legalmente, um menor de idade pode trabalhar?

A contratação de menores

De acordo com a advogada trabalhista Juliana Silva, a inclusão de menores de idade no mercado de trabalho exige que uma série de regras sejam seguidas. Primeiramente, o artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal, “considera menor o trabalhador de 16 (dezesseis) a 18 (dezoito) anos de idade”. A única exceção para que menores de 16 anos possam exercer atividades profissionais se dá nos contratos de aprendizagem.

“A legislação determina que menores de 16 anos somente possam trabalhar na condição de menor aprendiz, que não pode ser inferior aos 14 anos. Ou seja, 14 é a idade mínima para qualquer indivíduo poder entrar legalmente no mercado de trabalho, desde que a condição específica seja cumprida. Além disso, o contrato de aprendizagem, cuja idade limite é 24 anos, exige supervisão e um processo teórico e prático voltado ao desenvolvimento profissional do contratado”, pontua Juliana.

Os direitos do menor

A advogada salienta que a contratação de profissionais como aprendizes ou estagiários não pode impactar de forma prejudicial em seus estudos. Ela acrescenta que o processo não se resume somente ao desenvolvimento técnico, mas também deve, segundo o artigo 428 da CLT, estimular o desenvolvimento moral e psicológico.

“A contratação de menores inclui, ainda, outras especificidades. Menores de idade não podem cumprir carga horária noturna (das 22h às 5h) e não podem trabalhar sob condições perigosas ou insalubres. Outra ressalva importante é que contratos de aprendizagem e de estágio não podem ultrapassar as seis horas diárias – podendo chegar a oito horas no contrato de aprendizagem desde que o ensino fundamental tenha sido concluído – e as férias do menor de 18 anos devem coincidir com o período de descanso escolar”, orienta a especialista.

Menores podem ser contratados como CLT?

Juliana esclarece que a partir dos 16 anos é possível a contratação efetiva de profissionais sob as regras estabelecidas pela CLT.

“Reforço, porém, que embora seja possível contratar menores entre 16 e 18, há a restrição de funções. Somente profissionais acima de 18 anos podem realizar atividades insalubres ou que representam algum risco”.

Os números do trabalho infantil

“Sob nenhuma circunstância legal menores de 14 anos podem exercer atividades profissionais. É uma situação que não deve ser romantizada ou enaltecida, mas sim denunciada”, enfatiza Juliana.

A Pesquisa Nacional por Amostragem e Domicílio (PNAD) de 2016, realizada pelo IBGE, levantou que no Brasil 1,8 milhão de crianças e adolescentes já desempenhavam algum trabalho. Na estatística, foi identificado que somente 800 mil não estão sob condição de exploração, ou seja, cumprem requisitos legais (como os citados nas perguntas acima).

O estudo revelou que 808 mil menores de idade estavam trabalhando sem carteira assinada, enquanto mais de 190 mil crianças e adolescentes de 5 a 13 anos (lembrando que, segundo o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, a adolescência se inicia aos 12 anos) exerciam alguma atividade profissional, o que é veementemente proibido por lei.

Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), ainda sob a ótica dos dados de 2016, os números do trabalho infantil superam o 1,8 milhão, atingindo na realidade a faixa de 2,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando.

Em escala global, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Fundação Walk Free, em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 152 milhões de jovens de 5 a 17 anos foram submetidos aos trabalho infantil, sendo 10 milhões em regime de escravidão e mais de 70% em atividades ligadas à agricultura. Os dados também são de 2016.

Acidentes e mortes

Vale lembrar que o Brasil assumiu internacionalmente o compromisso de acabar com o trabalho infantil – sempre reforçando: as práticas que não cumprem nenhuma das condições estabelecidas por lei – até 2025, porém o cenário não é otimista quanto a isso.

O relatório Trabalho Infantil no ODS, conduzido pela FNPETI em parceria com o Ministério Público do Trabalho, mostra que o ritmo de queda não é suficiente para que a meta seja cumprida. A publicação expõe, ainda, que entre 2013 e 2015 o números de crianças de 5 a 9 anos trabalhando aumentou, assim como os índices de acidentes e mortes ainda seguem altos.

Um outro levantamento, este do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN), expõe que de 2007 a 2019 o trabalho infantil tirou a vida de 279 crianças, 23,2 por ano. Além disso, quase 28 mil crianças sofreram algum acidente grave, enquanto mais de 46,5 mil desenvolveram ou tiveram o agravamento de algum problema de saúde.

“Os dados revelam o tratamento negligente que o Estado brasileiro tem dispensado a crianças e adolescentes e o enorme distanciamento entre os preceitos constitucionais e a realidade vivenciada; conduzem à inevitável conclusão de que o Estado não se importa com o valor prospectivo da infância e juventude, como portadoras da continuidade do seu povo”, alerta a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do MPT.

Para a procuradora, “o princípio da proteção integral é o único caminho para se chegar a uma vida adulta digna; não há atalhos para isso! Crianças e adolescentes têm direito à dignidade, a florescerem e a crescerem com as vivências próprias de suas épocas. Não há dignidade pela metade. Dignidade é inegociável”, completa.

Entre as situações de maior perigo ou vulnerabilidade, destacam-se:

  • Trabalho no campo ou em lavouras;
  • Trabalho nas ruas (como o trabalho em semáforos);
  • Trabalho em lixões e locais insalubres;
  • Exploração Sexual;
  • Trabalho em locais de risco.

Pela defesa das crianças

Há quem defenda que trabalhar desde o mais cedo possível “molda caráter” e estimula o menor a ser mais responsável. Porém, para a psicóloga Flávia Ferreira, o efeito é justamente o contrário.

“A realidade do trabalho de menores no Brasil não se resume, infelizmente, ao que a lei permite. Muitas crianças sustentam suas famílias, são vítimas de exploração ou situações abusivas, sofrem com a violência, não têm acesso a educação de qualidade. Tudo isso contribui para que o jovem desenvolva problemas psicológicos e sequelas graves, além de integrar um ciclo sem fim de miséria e pobreza. Crianças, em nenhuma hipótese, devem trabalhar. Criança deve brincar, estudar, ter acesso a condições aceitáveis de saúde e desenvolvimento. Menor de idade vendendo pano no farol não tem caráter moldado, mas seu desenvolvimento bruscamente prejudicado. Quem acha bonito uma criança sustentar a casa não tem ideia do mal que está propagando a ela”, enfatiza.

De acordo com a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Kátia Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo a Aprendizagem da Justiça do Trabalho, “está na hora de compreender que toda criança é nossa criança e o mal que se faz com a exploração do trabalho infantil afeta toda a sociedade, com grave repercussão no nível educacional, no desenvolvimento físico e psicológico e, principalmente na qualidade de vida desses meninos e meninas. É preciso que o exercício de direitos e de solidariedade comece pela proteção de nossas crianças e jovens”, finaliza.

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